“E quem dirá que há razão para as coisas feitas com o coração” da banda Legião Urbana exemplifica como há situações em que os laços de sangue não são necessários para uma verdadeira ligação amorosa. Muitos pais descobrem a paternidade quando os filhos já são adultos. Podem não ter ouvido as primeiras palavras, dada a primeira volta ou banho, talvez nem vendo os primeiros passos, mas com tempo e carinho, alimentaram um amor que vai muito além de qualquer vínculo de sangue.
Com muito suor e dedicação, os padrastos também atuam como pais, quando participam de corpo e alma na criação dos pequenos. Os padrastos, às vezes chamados por outros nomes carinhosos, são coisas do coração que ninguém explica. O Correspondência trouxe duas histórias que merecem ser lembradas neste 11 de agosto.
Pricila e Marcelo
Pricila Rodrigues, 23 anos, conheceu o pai, Marcelo Cardoso, 45, quando ela tinha 6 anos e foi jantar com a mãe após o jogo do Grêmio. Sentadas à mesa no centro de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 2008, nem Pricila nem a mãe sabiam que estavam ao lado de um futuro membro muito importante da família. Depois da mesa do bar, ela começou a namorar e Marcelo foi morar com os dois. Desde o primeiro encontro Pricila percebeu que Marcelo era mais que um padrasto, ele era a figura paterna que ela sempre sonhou.
“Ele veio morar conosco na nossa casa, então foi a primeira figura paterna que tive na minha casa. Perguntei se poderia chamá-lo de pai porque foi a primeira vez que vi um homem realmente namorando minha mãe e trazendo essa figura da paternidade para mim. Quando ele disse sim, lembro que chorei muito, fiquei feliz e pulei para dentro de casa”.
Pricila atualmente mora em Canoas e faz estágio na área administrativa. Marcelo é empresário e tem uma empresa de gás e água. A estudante conta que Marcelo a apoiou nos estudos e que nunca a tratou de maneira diferente porque ela não era sua filha de sangue. A importância do relacionamento amoroso foi celebrada durante o casamento da gaúcha, que pediu a Marcelo que a levasse ao altar.
“Meu pai, meu pai, não queria me aceitar como filha, mas depois de 6 anos chegou meu pai verdadeiro, meu pai de coração. Moramos juntos por 16 anos e, ano passado, quando fiz 22 anos, me casei e foi ele quem me acompanhou até o altar. Foi um momento muito especial para mim, sair de casa e agradecer por terem me criado, ver onde cheguei hoje com a ajuda deles. (…) Sempre me apoiaram nos meus estudos, no meu trabalho, no meu desenvolvimento.”
Pricila lembra ainda que o que mais a marcou nos anos que conviveu com Marcelo, seu “pagorasto”, como ele carinhosamente chama nas redes sociais, foi respeito.
“Sempre nos tratamos como pai e filha. Meu pai de sangue não queria me assumir, mas meu pai de coração me acolheu, me ensinou valores e formou meu caráter junto com minha mãe e, acima de tudo, me protegeu.”
Laura, Rodolfo e Ana Cláudia
Ana Claudia Volpe, 49 anos, conheceu Rudolfo Volpe Ancende, 40, em show em Londrina (PR). Ana era viúva e tinha em casa uma filha de pouco mais de 2 anos, Laura. Arrastada de casa por um amigo mesmo sem muita vontade de comemorar, ainda imersa no luto e na perda, Ana não imaginava que naquela noite, em meados de 2007, conheceria o segundo pai de Laura.
Eles começaram a conversar e logo se tornaram amigos. A amizade se transformou em amor e se transformou em namoro. Ana conta que Laura, ainda bebê e sofrendo com a morte recente do pai, não era fácil de ser aceita pelos homens, mas, surpreendentemente, aceitou de bom grado o colo de Rudolfo, na primeira vez que se conheceram.
“Quando conheci a Laura foi amor à primeira vista, foi amor mútuo. A gente brincava o tempo todo (…) era um carinho. Se eu estava em casa, quando eu e a Ana ainda namorávamos, a Laura estava conosco. Foi muito natural, para mim a Laura já era minha filha naquele momento”, lembra o engenheiro Rudolfo.
Anos depois, com o casamento já assinado, Rudolfo decidiu que adotaria Laura como filha. A adoção unilateral ocorre quando alguém adota o filho do cônjuge ou companheiro, formando assim um novo vínculo familiar e jurídico.
“Continuei com o processo de adoção e para mim o melhor foi que os avós paternos (da Laura) deram o apoio para continuar com a adoção. Isso ajudou muito, me fortaleceu muito.”
Ana Claudia conta que teve medo de informar os ex-sogros, pais do falecido marido, e ficou preocupada em como eles se sentiriam quando Rudolfo adotasse Laura unilateralmente.
“Como eles se sentiriam, certo? Eu precisava contar a eles e queria que gostassem da ideia, aceitassem a ideia. Eu não queria que tivesse aquele clima (…) quando eu realmente tive coragem de falar, ela me apoiou muito, ela disse que sempre rezou para que Laura tivesse uma referência masculina como pai e que ela fosse certeza de que seu filho estava abençoando a união. Foi um alívio para nós”, afirma a assistente social Ana Claudia.
Laura tem 20 anos, mora com os pais e a irmã, Júlia, de 13 anos, nos Estados Unidos. A aluna optou por não usar o sobrenome do pai biológico para sempre se lembrar dele com carinho, mas após a adoção também acrescentou o nome do segundo pai. Laura da Silva Soares Volpe agora tem os pais no sobrenome e no coração.
*Estagiário sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza
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