O Ministro das Finanças, Fernando Haddad, chegará ao Vaticano na próxima terça-feira, buscando a bênção do Papa Francisco para a sua proposta de tributar internacionalmente os super-ricos. Na audiência com o pontífice, Haddad também pretende “coordenar posições” tendo em vista a Cúpula do G7, que acontecerá na cidade de Fasano entre os dias 13 e 15 de junho.
A tributação das grandes fortunas, um dos temas prioritários da trilha financeira do G20, é apresentada pelo Brasil como uma medida essencial para reduzir a desigualdade econômica global. Para obter sucesso em sua proposta, Haddad buscou apoio internacional, até a realização, em novembro, no Rio de Janeiro, da Cúpula dos Líderes do G20, que este ano é presidida pelo Brasil.
Antes disso, em julho, os ministros das finanças do fórum das 20 economias mais desenvolvidas sentar-se-ão à mesa numa tentativa de preparar um documento final para a chamada via financeira. “A construção deste tema no âmbito do G20 ou no âmbito da política financeira internacional. é um processo. A visita ao Vaticano é mais um passo nesse processo de construção de consenso”, explica Antônio Freitas, subsecretário de Finanças Internacionais e Cooperação Econômica do Ministério da Fazenda. Ele diz que Haddad quer conversar com o papa sobre o “princípio” de sua ideia de que “os mais ricos devem pagar, proporcionalmente, sua riqueza em impostos, com base no conceito de tributação mais justa e progressiva”, que já é debatido em vários países. A proposta preliminar que tem sido debatida pelos ministros das Finanças é a tributação de 2% das grandes fortunas. “Os bilionários somam menos de três mil pessoas no planeta. Um imposto de 2% sobre eles geraria uma estimativa de cerca de 250 mil milhões de dólares anuais. Mas essas propostas têm tempo de amadurecer”, comenta Freitas.
Embora considere a proposta “desafiadora”, o subsecretário destaca que ela “foi muito bem recebida” na comunidade internacional. Cita a França, cujo presidente Emmanuel Macron afirmou considerar que “é um bom imposto global e devemos levá-lo adiante”, numa entrevista recente a uma estação de televisão dos Estados Unidos. A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, por sua vez, é contra a tributação internacional.
Nova economia
Desde o início do seu pontificado, Francisco demonstrou o seu desconforto com a forma como a economia e o sistema capitalista funcionam no mundo. No seu primeiro documento, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, ou A Alegria do Evangelho, considerada o “programa” do seu pontificado, o papa apela à urgência de combater as causas estruturais da pobreza com uma “nova economia”. O tema é aprofundado na carta encíclica Laudato Si’ — cuidado da casa comum, na qual fala de uma economia humana e ecológica.
O economista Guilherme Costa Delgado, autor do livro Rumo ao mundo de Francisco: economia, humanismo e ecologia em tempos de crise, percorre o principal itinerário económico da Santa Sé desde o início do papado. Ele explica a economia de Francisco como “um enigma que precisa ser decifrado”, pois não é definido academicamente, mas exposto em uma série de mensagens encontradas em documentos, discursos e atitudes.
O Papa Francisco escreveu seis documentos oficiais e registou, em numerosos discursos, a sua preocupação com a crescente sobreposição dos sistemas económicos e financeiros com os princípios éticos que deveriam orientar as relações humanas. O documento Considerações éticas para o discernimento sobre alguns aspectos do sistema financeiro atual, publicado em maio de 2018, critica duramente o capitalismo e defende uma melhor distribuição de renda e justiça fiscal. O Vaticano defende, entre outras coisas, a tributação das empresas offshore e o fim dos paraísos fiscais, problema que afecta até o próprio Vaticano.
O documento chama a atenção, em particular, para dois tipos de crimes que ocorrem em paraísos fiscais. Em primeiro lugar, a lavagem de dinheiro, por onde passam recursos provenientes do contrabando, da corrupção, do terrorismo, do tráfico de drogas e até do tráfico de pessoas, por exemplo. A outra é a elisão fiscal, com graves perdas para os países, especialmente os menos desenvolvidos, pois gera desigualdade fiscal e crises económicas. “Exatamente esse propósito especulativo é alimentado pelo mundo das finanças offshore, que, embora também ofereça outros serviços jurídicos, através de muitos e difusos canais de evasão fiscal, se não de evasão e lavagem de dinheiro, resultado do crime, constitui mais um empobrecimento do sistema normal de produção e distribuição de bens e serviços”, diz trecho do documento.
Francisco fala constantemente em “renovar” a economia e lida duramente com o mau uso do dinheiro. “A riqueza desonesta é o dinheiro, também chamado de ‘esterco do diabo’, e em geral os bens materiais. A riqueza pode levar a construir muros, criar divisões e discriminação”, disse ele num encontro com empresários em 2019.
Dívida pública
Haddad também vai a Roma, para participar da conferência sobre a dívida dos países do Sul Global após a pandemia de covid-19, coorganizada pela Universidade de Columbia e pela Pontifícia Academia de Ciências Sociais. “A Covid levou (a dívida dos países) a um patamar muito maior e muito mais forte”, comenta Freitas. “Discutir esse tema também é uma questão de ética e justiça”, acrescenta.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que, em 29 de Fevereiro, dos 68 países de baixo rendimento para os quais o Fundo realiza análises de sustentabilidade da dívida, nove estavam em situação de sobreendividamento e 51 apresentavam risco elevado ou moderado de sobreendividamento. No caso do Brasil, a projeção do fundo é que o país termine o ano de 2024 com uma dívida de 86,7% do Produto Interno Bruto (PIB).
O Vaticano procura promover um papel de coordenação mais forte entre os países devedores, tal como existe entre os credores. O evento também discutirá a possibilidade de criação de linhas de financiamento globais, com custos mais baixos, onde seja possível suspender a dívida em alguns casos, como em catástrofes, como a que ocorreu durante a pandemia.
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