O advogado brasileiro Antonio Kotaro Hayata, 53 anos, decidiu se tornar cidadão japonês há três anos.
Casado com uma japonesa e pai de dois adolescentes, pretende ficar no Japão, onde mora com a família há 14 anos.
Durante o processo de naturalização, ele decidiu “japoneseizar” os nomes.
“Minha linhagem é completamente japonesa, mas só pelo nome já haveria aquele estigma de que sou estrangeiro.”
Ele aboliu Antonio de seu nome e agora se chama Kotaro Hayata.
Esse tipo de mudança é comum entre brasileiros e outros estrangeiros que decidem naturalizar japoneses.
Hoje vivem no país 3,41 milhões de estrangeiros, o maior número de sempre, e representam 2,7% da população total, segundo dados de dezembro de 2023, os mais recentes disponíveis, da Agência de Serviços de Imigração.
O número total de naturalizados também cresceu: passou de 7.059 em 2022 para 8.800 no ano seguinte.
Os brasileiros, que chegaram em grande número desde a década de 1990, foram o quarto maior grupo de estrangeiros a adquirir a cidadania japonesa, entre 2021 e 2023, segundo o Ministério da Justiça japonês, atrás apenas de coreanos, chineses e vietnamitas.
Ao se naturalizarem, muitos mudam o nome e sobrenome originais para japoneses, para evitar preconceitos históricos que dificultam o aluguel de apartamento e a obtenção de emprego, além de evitar manifestações ou discursos de ódio, explica Angelo Ishi, professor do departamento de mídia e sociologia pela Universidade Musashi.
“Existe discriminação com base no nome pessoal, isso é fato comprovado, principalmente na hora de procurar emprego”, afirma Ishi, destacando que isso é ainda mais intenso para os coreanos, que são o maior grupo entre os estrangeiros que se naturalizam japoneses .
Esta forma de discriminação veio recentemente à luz quando um japonês teve o seu currículo rejeitado por uma cadeia de fast food durante o processo de recrutamento porque tinha um nome que parecia estrangeiro.
O jovem tem mãe japonesa e pai alemão, e não havia mencionado sua nacionalidade nem enviado foto.
Após a repercussão negativa nas redes sociais, a empresa pediu desculpas em assembleia geral de acionistas. A empresa disse que é muito difícil para um estrangeiro conseguir visto de trabalho, por isso o responsável pelo recrutamento rejeitou o candidato nominalmente.
Encurtando o nome
O Artigo 3 da Lei de Normas Trabalhistas do Japão afirma que não deve haver discriminação por parte do empregador com base na nacionalidade, religião ou status social do empregado. Porém, a norma serve mais como diretriz, pois a lei não prevê punição em caso de transgressão.
Outro caso que atingiu as redes sociais ocorreu em maio, com uma estudante universitária de 20 anos, filha de pai nigeriano e mãe japonesa, criada no Japão e que nunca tinha estado na Nigéria.
Embora seja cidadã japonesa, foi rejeitada por uma consultoria que, com base em seu nome, alegou não contratar estudantes internacionais.
“É muito difícil dizer isto, mas a nossa empresa não está a recrutar estrangeiros”, dizia parte da mensagem enviada à jovem. “Para começar, sou japonês”, escreveu o aluno em resposta.
Como não informou sua nacionalidade, entendeu que a empresa a julgava apenas pelo nome, que começa com Katakana (símbolo de escrita usado para soletrar palavras e nomes estrangeiros) e o sobrenome do pai nigeriano.
“Quero que fique claro que é muito rude fazer suposições sobre a nacionalidade de uma pessoa apenas com base no seu nome”, escreveu a estudante, partilhando a sua frustração nas redes sociais.
“O nome pode funcionar como um barómetro da tolerância, empatia e aceitação de outras culturas”, diz Lilian Terumi Hatano, professora aposentada da Universidade Kindai.
“E, nesse sentido, a sociedade japonesa ainda tem muito que melhorar e mudar, e entender que nem sempre a aparência física corresponde à nacionalidade ou origem de uma pessoa”.
Hatano explica que, no país, quem tem raízes estrangeiras muitas vezes enfrenta situações constrangedoras por causa do nome e da aparência.
Ela é autora de um livro que cita a questão do uso de nomes pessoais, principalmente por crianças brasileiras e peruanas nas escolas públicas japonesas, publicado pela primeira vez há 15 anos.
Hatano diz acreditar que pouca coisa mudou desde então. “São raros os casos de estrangeiros que não tiveram experiência em negociar, corrigir ou reclamar da forma como escrevem o próprio nome”, afirma a pesquisadora.
Durante a pesquisa de campo, ela reuniu diversos casos de grande descuido, insensibilidade ou descaso, como nomes transcritos incorretamente para o alfabeto japonês ou cortados ao meio, alegando que só havia espaço para acomodar dois nomes.
“Tenho uma anedota para esses casos: quando vamos comprar um sapato, escolhemos de acordo com o tamanho dos nossos pés. Mas sempre tive a impressão de que, aqui (no Japão), temos que cortar os dedos dos pés. para adaptá-los ao tamanho do sapato.”
No caso de uma criança estrangeira, o impacto disto é sentido a vários níveis, desde não reconhecer o seu nome completo, ter receio ou medo de que os seus pares descubram que não é japonês, até esconder que um dos seus pais é um estrangeiro.
“É preciso ter cuidado e sensibilidade, pois a formação da identidade é parte importante do crescimento de uma criança, e logicamente o nome carrega muitas informações importantes diretamente relacionadas a ele”, afirma Hatano.
De acordo com o Ministério do Trabalho, Saúde e Bem-Estar, cerca de 2% dos bebês nascidos no Japão têm ambos ou um dos pais de origem estrangeira. Em 2022, do total de 770.759 recém-nascidos, 15.271 eram pardos – 315 deles com um dos pais brasileiro e outro japonês.
Ter um nome com aparência diferente neste país bastante homogêneo indica que você é estrangeiro, e isso desperta curiosidade e pode causar transtornos.
Foi principalmente no intuito de evitar que seus filhos sofressem discriminação na escola que o casal brasileiro Eline e Cleiton Haguiwara, de 39 e 42 anos e radicado no Japão há duas décadas, dedicou um tempo pesquisando nomes para registrar seus três filhos, todos nascidos no Japão. .
Foi assim que Lívia (12), Lorena (10) e Logan (5) passaram a ser chamados de Yuna, Aika e Keito na escola. Cada um deles também recebeu seu próprio personagem.
Conhecido como kanjicaracteres são um dos três sistemas de escrita da língua japonesa – os outros são hiragana, o alfabeto básico e o Katakanausado para soletrar palavras estrangeiras.
A escolha dos ideogramas é importante, pois os símbolos possuem significados em si, e muitos podem ter diversas leituras.
É comum que os pais selecionem personagens que representem suas expectativas e desejos.
Para não cometer erros na hora de combinar, os japoneses utilizam dicionários específicos e decidem os kanjis com base no seu significado, som e número de traços na escrita.
Uma das regras básicas que os japoneses seguem à risca para evitar preconceitos é não utilizar ideogramas que representem palavras como mentira, câncer, fezes, cadáver, etc.
Mas o cuidado de Eline e Cleiton na escolha dos nomes japoneses e respectivos ideogramas para os filhos não foi suficiente para evitar aborrecimentos.
“Achamos que seria uma forma de inclusão e que a aceitação seria mais fácil. Isso não significa que estamos livres de dúvidas”, afirma Eline.
“A professora da minha filha me perguntou se meu marido era japonês, porque ele escrevia o sobrenome com kanji. Somos brasileiros, mas escrevemos com ideogramas porque temos ascendência japonesa e também porque a prefeitura nunca fez restrições. em situações como abrir uma conta bancária.”
Embora seja amplamente observado no dia a dia, o uso de kanji por estrangeiros usando nomes e sobrenomes de origem japonesa não é oficialmente aceito.
Esse foi um dos motivos que fez a esposa do advogado brasileiro Kotaro Hayata processar a Vara de Família de Tóquio há 15 anos.
Mesmo sendo japonesa, ela havia perdido o direito de registrar o inkan (carimbo que serve de assinatura) do sobrenome do novo casado escrito com ideograma, pois na época o marido era estrangeiro.
A restrição também se aplicava às duas filhas japonesas.
“Não queríamos que eles fossem discriminados e questionados sempre que tivessem que escrever o sobrenome como se fossem estrangeiros”, diz Hayata, que adquiriu o mesmo direito de escrever o nome completo em kanji quando obteve a nacionalidade japonesa.
Na naturalização é possível transliterar em um conjunto de kanji até mesmo para permitir que o nome não japonês fosse lido e torná-lo oficial.
Foi o que fizeram os ex-jogadores de futebol Wagner Lopes (em japonês: Ropesu Waguna), Alex Santos (Santosu Aresandoro) e Túlio Tanaka (Tanaka Marukusu Turio).
Várias combinações
Carlos Shigueyme Toyosumi Teixeira, 47 anos, baiano, mora no Japão desde 1992 e há quatro anos decidiu solicitar a cidadania japonesa por causa dos filhos Eric (24), Andressa (17) e Bryan (12), todos nascidos no Japão.
“Quando o mais velho ingressou na escola técnica para se formar dublador, a professora perguntou se ele continuaria como estrangeiro, pois, se assim fosse, teria dificuldade em encontrar trabalho”, lembra.
Ao ouvir isso, Carlos concluiu que todos os seus filhos poderiam enfrentar a mesma dificuldade na procura de trabalho e tomou a decisão de se naturalizar.
“Então, automaticamente, todos os três seriam japoneses. Sua aparência não nega que sejam estrangeiros, mas, em suas cabeças e corações, eles se inclinam para o lado japonês.”
Os filhos adotaram os sobrenomes da mãe (Yano) e do avô paterno (Teixeira) e adotaram o da avó paterna (Toyosumi). “Isso foi para facilitar a vida deles e também porque os japoneses não têm nomes compostos”, diz ela.
Carlos acabou sendo Shigemi Toyosumi, tudo escrito em kanji e com a correção do primeiro nome que havia sido registrado incorretamente na certidão de nascimento no Brasil.
A troca foi oficializada nos documentos do Japão, mas uma coisa não mudou: entre seus colegas de trabalho, ele ainda é Teixeira-san.
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