A Nestlé suíça viu a crescente popularidade dos medicamentos supressores do apetite como uma nova oportunidade. Nesta terça-feira, 21, a empresa anunciou o lançamento de uma nova linha de produtos congelados desenvolvida especificamente para pessoas que fazem uso de medicamentos “análogo do GLP-1”, hormônio responsável por regular a produção de insulina, a glicemia e a sensação de saciedade – como é o caso de Ozempic e Wegovy.
Em comunicado oficial, a Nestlé afirma que a nova linha, chamada Vital Pursuit e inicialmente disponível apenas nos Estados Unidos, abrangerá uma série de alimentos congelados, como sanduíches, pizzas e massas. O diferencial, segundo a empresa, é que os produtos são desenvolvidos com mais proteínas, ferro e cálcio, para ajudar as pessoas que fazem uso de medicamentos inibidores de apetite a terem “mais controle sobre o equilíbrio dos nutrientes, ao mesmo tempo que consomem produtos com mais sabor e acessibilidade”.
Previstos para chegar às prateleiras americanas em outubro deste ano, os produtos custarão cerca de US$ 4,99 (aproximadamente R$ 25). A ideia, segundo o CEO da Nestlé na América do Norte, Steve Presley, foi impulsionada pelo conhecimento sobre os consumidores e pela ciência nutricional, o que ajuda a empresa a ficar “à frente das tendências que estão moldando o comportamento das pessoas, o que também contribui para a inovação do portfólio da empresa”.
No comunicado, a empresa suíça aproveitou ainda para partilhar dados relacionados com a utilização de medicamentos análogos do GLP-1 nos EUA: segundo a Associação Americana de Farmacêuticos, a um em cada 60 adultos foi prescrito algum tipo de medicamento deste tipo em 2023, e a expectativa é que o número seja maior em 2024. Além disso, a JP Morgan Research prevê que o número total de usuários desse tipo de medicamento no país norte-americano poderá chegar a 30 milhões até 2030 – ou seja, cerca de 9% da população americana.
Tom Moe, presidente da divisão de alimentação da Nestlé nos EUA, por sua vez, afirmou que promoverá as refeições como “soluções alimentares”, pois os produtos são voltados para pessoas que desejam complementar o uso de medicamentos com a “nutrição correta, alta em proteínas, fibras e minerais, como potássio e vitamina C”. Ele mencionou ainda que, embora os produtos ainda não estejam disponíveis no mercado, a empresa já tem planos de ampliar a linha Vital Pursuit com novas opções.
O que dizem os especialistas
Na opinião do endocrinologista Bruno Geloneze, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a nova linha de produtos lançada pela empresa suíça não representa vantagem para quem faz uso de medicamentos como Ozempic, mas sim uma estratégia de marketing, orientada por uma época em que o consumo de determinados produtos alimentares está em queda devido ao uso crescente de medicamentos inibidores de apetite. A empresa, porém, não nega a perspectiva. No comunicado oficial, entre os inúmeros benefícios citados pelos representantes executivos, afirma: “Como a maior empresa de alimentos e bebidas do mundo, a Nestlé está na vanguarda do crescente marketing de mercado”.
Segundo Geloneze, o uso de medicamentos como o Ozempic, que no Brasil enfrentou indisponibilidade intermitente devido à procura maior do que o esperado, não deve ser visto apenas como uma ferramenta para perda de peso, mas também como um meio de promover o planejamento da ingestão alimentar adequada – quando prescrito corretamente. Isso porque, ao aumentarem a saciedade e reduzirem a vontade de comer, esses medicamentos tornam mais fácil para as pessoas organizarem uma alimentação mais nutritiva e saudável, o que vai na contramão do que é oferecido pelos alimentos ultraprocessados, como biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, salsichas e produtos prontos para consumo, como alimentos congelados.
“O grande ponto do uso dos análogos do GLP-1 é que eles devem ser usados em conjunto com um planejamento alimentar e comportamental. A possibilidade de recorrer a esse tipo de medicamento não deveria existir se esse preceito não estiver em vigor. , como vegetais, e o mínimo possível de alimentos processados, que é exatamente o que a Nestlé continuará a produzir sob a ideia de ser enriquecida com micronutrientes, provavelmente em baixíssimas quantidades”, afirma Geloneze.
A Nestlé, por sua vez, não detalhou as especificidades dos produtos, afirmando apenas que eles concentrarão mais ferro, cálcio e proteínas, sem especificar as quantidades.
Segundo a nutricionista Desire Coelho, colunista do Estadão, um dos riscos do uso de medicamentos como Ozempic e Wegovy é que muitas vezes os pacientes acabam não consumindo os nutrientes necessários, pois se sentem mais saciados – e isso pode contribuir para uma deficiência nutricional. Neste contexto, se tivermos produtos verdadeiramente enriquecidos com proteínas, ferro e cálcio, como propõe a empresa suíça, podem sim ser considerados vantajosos pela sua praticidade. Porém, o especialista considera difícil que esses itens sejam superiores aos já disponíveis no mercado. Além disso, ela acredita que sempre teremos opções melhores e mais saudáveis que os famosos congelados.
“No final das contas, a proposta da empresa acaba criando indiretamente uma necessidade e uma ansiedade, como se o consumo desses produtos fosse essencial para usuários de medicamentos inibidores de apetite, o que não é verdade”, avalia Desejo. “É importante que as pessoas se preocupem não só com a quantidade de proteínas, mas com a qualidade geral da alimentação, o que pode ser facilmente alcançado com uma boa orientação e organização alimentar, sem depender de suplementos ou comidas da moda”, acrescenta o especialista.
Outro ponto levantado por Geloneze, que também é membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), é que os produtos Vital Pursuit podem contribuir para o aumento dos índices de obesidade, questão especialmente relevante nos Estados Unidos. País classificado como o terceiro com maior percentual de adultos vivendo com essa condição, segundo o Atlas Mundial de Obesidade 2024, com dados de 186 nacionalidades.
Procurado por Estadão, a Novo Nordisk, farmacêutica responsável pela produção dos medicamentos Ozempic e Wegovy, não quis comentar o assunto. Também procurada, a Nestlé Brasil foi questionada sobre o possível lançamento da nova linha de produtos no Brasil, mas a empresa apenas reforçou a informação divulgada pela Nestlé USA, que se restringe à chegada de novos produtos ao país norte-americano.
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