Desde 2022, a americana Ida Sawyer, 40 anos, ocupa o cargo de diretora da Divisão de Crise e Conflitos da organização não governamental Human Rights Watch (HRW). Com mestrado em relações internacionais pela Universidade de Columbia (em Nova York), ela esteve em Brasília na semana passada, acompanhada por três representantes da sociedade civil ucraniana. Sawyer manteve reuniões com autoridades brasileiras do Ministério dos Direitos Humanos, do Itamaraty e do Palácio do Planalto, nas quais pediu uma condenação mais contundente e clara dos crimes de guerra cometidos pela Rússia na Ucrânia. Em sua primeira visita ao Brasil, Ida Sawyer conversou ao Correio sobre dois dos principais conflitos do planeta: na Ucrânia e na Faixa de Gaza. Segundo ela, muitas nações tomaram medidas importantes contra as violações das leis da guerra e dos direitos humanos durante a guerra entre Israel e o grupo extremista palestino Hamas. A diretora da HRW destacou a importância do papel do Tribunal Internacional de Justiça e do Tribunal Penal Internacional na punição dos responsáveis por crimes cometidos em contexto de conflitos. Sawyer confirmou que a HRW encontrou evidências de que Israel usou a fome como arma de guerra na Faixa de Gaza. Ela também expressou preocupação com a situação na Ucrânia. “Numerosos crimes de guerra e outras graves violações dos direitos humanos foram e continuam a ser cometidos na Ucrânia”, admitiu ela. Segundo ela, casos de execuções russas de soldados ucranianos e tortura de militares e civis foram documentados pela organização não governamental.
Você está surpreso com a inação demonstrada pela comunidade internacional para parar a guerra na Faixa de Gaza?
Muitos governos e organismos internacionais tomaram medidas importantes para condenar as graves violações das leis da guerra e dos direitos humanos em Israel e na Palestina desde 7 de Outubro. Também para tentar prevenir novas atrocidades e levar os responsáveis à justiça. O promotor do Tribunal Penal Internacional lançou uma investigação e solicitou mandados de prisão para cinco altos funcionários do Hamas e de Israel, enquanto a África do Sul iniciou um processo no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, alegando que Israel viola a Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Canadá, Espanha, Itália e Países Baixos suspenderam as transferências de armas para Israel, enquanto os Estados Unidos acabaram por suspender um carregamento de armas e ameaçaram reter novas transferências se Israel invadisse Rafah. As agências das Nações Unidas e outras organizações humanitárias têm feito o seu melhor para prestar assistência que salva vidas — apesar dos grandes desafios no envio de ajuda humanitária para Gaza e dos numerosos ataques a trabalhadores humanitários.
Então, o que resta para um cessar-fogo?
Embora estas medidas sejam importantes, não impediram as atrocidades. O apoio contínuo dos EUA a Israel e o seu veto no Conselho de Segurança impediram repetidamente respostas mais enérgicas. Vimos também como as inconsistências nas políticas de países de todo o mundo – que condenam as atrocidades em determinados contextos, permanecendo em silêncio ou mesmo apoiando os perpetradores noutros contextos – minaram os esforços para proteger os civis e apoiar a justiça para as vítimas de todas as atrocidades, independentemente de onde. eles estão comprometidos ou quem é o responsável.
O que acontece em Gaza é considerado genocídio?
A Human Rights Watch (HRW) não tomou uma decisão específica sobre o genocídio. No entanto, instamos os Estados a apoiarem os procedimentos do Tribunal Internacional de Justiça sobre genocídio e a usarem todas as formas de influência para garantir o cumprimento das medidas provisórias ordenadas pelo tribunal. Documentámos a punição colectiva de Israel à população de Gaza, incluindo o corte de serviços essenciais como água e electricidade; bloquear a entrada de ajuda humanitária e medicamentos; e a utilização da fome de civis como arma de guerra — actos que constituem crimes de guerra. Também documentamos ataques aéreos aparentemente ilegais, inclusive contra hospitais, infraestruturas de saúde e ambulâncias; uso ilegal de munição de fósforo branco; ordens de evacuação ilegal e deslocamento de grande parte da população de Gaza; apagões de telecomunicações; detenções abusivas; e os efeitos das hostilidades sobre as pessoas em Gaza, incluindo mulheres, crianças, pessoas com deficiência e pessoas com problemas de saúde como a diabetes. Também documentámos crimes de guerra cometidos por combatentes liderados pelo Hamas em 7 de Outubro, incluindo ataques contra civis israelitas e a tomada de reféns.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de prisão para os líderes de Netanyahu e do Hamas. Qual seria a força de tal decisão?
Agora que o promotor do TPI solicitou mandados de prisão para o primeiro-ministro (Benjamin) Netanyahu e o ministro da Defesa israelense (Yoav Gallant), bem como para três líderes do Hamas, cabe a um painel de juízes examinar o pedido e determinar se os mandados de prisão devem ser emitidos. ser emitido. É crucial que os juízes possam examinar as provas de forma independente e tomar a sua decisão, sem interferência política ou medo de críticas e retaliações – o que, infelizmente, temos visto por parte de alguns intervenientes nos últimos dias. Se fossem emitidos mandados de prisão, o desafio seria a sua execução. O TPI não possui força policial própria, mas depende da cooperação de seus estados membros, incluindo o Brasil, que têm a obrigação de prender suspeitos caso entrem em seu território e entregá-los a Haia. Às vezes, isso pode levar anos, mas já vimos em outros casos que suspeitos importantes podem ser presos e enfrentar a justiça. No mínimo, caso os mandados de prisão sejam confirmados, será mais difícil a viagem desses indivíduos. O pedido do Ministério Público para estes mandados de detenção envia uma mensagem importante de que ninguém está acima da lei e que os responsáveis por crimes graves serão responsabilizados.
Existem sinais claros de que Israel está a usar a fome como arma?
A Human Rights Watch documentou como o governo israelita está a utilizar a fome de civis como método de guerra na Faixa de Gaza ocupada, o que é um crime de guerra. As forças israelitas bloquearam deliberadamente o fornecimento de água, alimentos e combustível, ao mesmo tempo que impediram intencionalmente a assistência humanitária – aparentemente devastando áreas agrícolas e privando a população civil de abastecimentos essenciais para a sua sobrevivência.
Porque é que a ajuda internacional não é suficiente para reverter esta situação?
A comunidade internacional não conseguiu reverter a situação devido a graves restrições à entrega de ajuda humanitária e a numerosos ataques a trabalhadores humanitários, incluindo casos em que trabalhadores humanitários anteriormente partilhavam a sua localização com as autoridades israelitas.
Quais são as suas principais preocupações sobre a situação na Ucrânia e como encara os relatos de que muitas crianças ucranianas foram deportadas para a Rússia?
Estamos muito preocupados com os numerosos crimes de guerra e outras violações graves dos direitos humanos que foram e continuam a ser cometidas na Ucrânia — incluindo bombardeamentos indiscriminados e outros ataques ilegais, que levaram a um grande número de vítimas civis; o uso de armas proibidas, como munições cluster e minas terrestres; execuções sumárias, tortura e outros abusos em áreas sob ocupação russa; e o crime de guerra de transferência forçada de civis ucranianos, incluindo crianças, para a Rússia e o processo abusivo de triagem de segurança conhecido como “filtragem”. É necessária maior pressão internacional sobre a Rússia para pôr fim às atrocidades e responsabilizar os autores de violações dos direitos humanos.
Nas últimas semanas, a HRW acusou a Rússia de executar soldados ucranianos. Este tem sido um método comum na guerra na Ucrânia?
É difícil determinar o número total de execuções russas de soldados ucranianos, mas estamos muito preocupados com os casos que documentámos, bem como com os casos de tortura de soldados e civis pelas forças russas.
Existem elementos claros para levar Netanyahu e Putin a julgamento por crimes de guerra?
Documentámos numerosos crimes de guerra e outras violações graves, tanto na Ucrânia como em Gaza, pelos quais o Presidente Putin e o Primeiro-Ministro Netanyahu poderiam ser responsabilizados sob responsabilidade de comando.
Qual seria a solução para a guerra em Gaza e na Ucrânia?
É essencial que os autores de crimes graves, tanto em Gaza como na Ucrânia, sejam responsabilizados, o que poderá impedir novos abusos.
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