A partir desta quinta-feira (6/6), 370 milhões de eleitores de 27 países-membros da União Europeia (UE) escolherão os 720 membros do Parlamento Europeu e ajudarão a renovar as autoridades da Comissão Europeia (órgão executivo) e do Conselho da União Europeia (representando os Estados), num momento de incerteza política e de ascensão dos ultraconservadores. As pesquisas mais recentes indicam que a extrema direita deverá obter ganhos importantes em Estrasburgo e conquistar entre 20% e 25% das cadeiras, o que provocaria mudanças no equilíbrio de forças e ampliaria a área de influência dos ultraconservadores. De acordo com as projeções, o Partido Popular Europeu (PPE, de direita) e o bloco S&D de partidos social-democratas continuarão a ser as principais forças no Parlamento Europeu, com variações no número de assentos. As eleições ocorrem a cada cinco anos.
No Parlamento Europeu, a extrema direita é representada por dois grupos principais: Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e Identidade e Democracia (ID). Os holandeses votarão esta quinta-feira, mas a maioria dos países da UE, incluindo França, Portugal, Alemanha e Espanha, irão às urnas no domingo. Os italianos realizarão a eleição em dois dias: sábado e domingo. As eleições também deverão funcionar como um referendo sobre o governo do presidente francês Emmanuel Macron. Um bom desempenho da extrema direita poderia fortalecer Marine Le Pen, o seu partido de Reagrupamento Nacional e candidato Jordan Bardella como potencial líder político. A renovação política em Estrasburgo ocorre num momento de crise internacional, com a invasão da Ucrânia pela Rússia e a guerra travada por Israel na Faixa de Gaza. Questões regionais, como a imigração e o aquecimento global, são consideradas sensíveis por grande parte do eleitorado.
A expectativa é que uma baixa participação eleitoral possa dar aos ultraconservadores espaço para questionar o mandato da nova liderança da UE e argumentar que a próxima Comissão Europeia deveria tornar-se apolítica, com os governos nacionais exercendo maior influência sobre a direção do bloco. A alemã Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, procura um segundo mandato de cinco anos para o bloco PPE.
Segundo Alberto Alemanno, professor de Direito da União Europeia na Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris) e uma das principais vozes na democratização da UE, a incerteza política paira sobre o continente, às vésperas dos cidadãos dos 27 países -membros vão às urnas. “Pela primeira vez, os partidos de extrema-direita e anti-establishment podem garantir 20% dos assentos no próximo Parlamento Europeu. Estes partidos governam – directa ou indirectamente – mais de uma dúzia de países membros da UE. Entre eles estão alguns Estados fundadores da UE. da UE, como a Itália e a Holanda, que ganharam, ao longo do tempo, um respeito sem precedentes e anteriormente inconcebível”, disse ele Correspondência.
Alemanno acredita que as eleições deste ano completarão o processo de normalização de figuras políticas extremistas, com a ascensão de forças conservadoras como o Partido Popular Europeu, “não muito diferente de Jair Bolsonaro”. “A votação deverá legitimar Marine Le Pen como a provável alternativa ao presidente Emmanuel Macron, em França. Na Alemanha, poderá consolidar o partido Alternativa para a Alemanha como um sério adversário da conservadora União Democrata Cristã (CDU), tal como a actual coligação de o governo entrará em colapso”, previu.
Especialista do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR), com foco na opinião pública europeia, Pawel Zerka aposta que uma mudança para a direita incluirá ganhos da direita radical — principalmente em França, Itália, Alemanha, Espanha, em Portugal e em alguns países mais pequenos — bem como a manutenção de assentos de centro-direita no Parlamento Europeu, graças ao bom desempenho dos partidos na Alemanha, Espanha e Polónia.
Segundo ele, o fenómeno coincidirá com a viragem à direita e a normalização da direita radical, tendências que se confirmaram em alguns governos da Europa. “A direita radical lidera governos na Itália e na Hungria; faz parte de coligações governamentais na Holanda, na República Checa, na Eslováquia, na Finlândia e na Croácia; e fornece apoio parlamentar ao governo sueco”, disse Zerka. Correspondência. “Como o Parlamento Europeu e o Conselho Europeu participam no processo decisório e legislativo da UE, estas eleições apenas confirmarão esta mudança para a direita, com potenciais consequências políticas.”
Zerka prevê uma Europa menos ambiciosa em relação aos objetivos climáticos, mais severa na migração, menos disposta a aceitar novos países membros e menos ativa na defesa do Estado de direito. “Os efeitos políticos das eleições incluem mais divisões e dificuldades na obtenção de acordos. Este é um risco enorme, numa altura em que a guerra na Ucrânia se torna cada vez mais difícil e a Rússia é vista como uma ameaça à segurança de toda a Europa. Além disso, a perspectiva do regresso de Donald Trump à Casa Branca coloca um ponto de interrogação sobre a garantia de segurança sustentada oferecida pelos EUA”, disse ele. O analista do ECFR considerou que, se o centro-direita conseguir manter a extrema direita sob controlo, reduzirá o impacto na segurança.
OS TEMAS CENTRAIS DAS ELEIÇÕES
Número de eleitores elegíveis para votar
Cerca de 370 milhões. As eleições ocorrerão entre os dias 6 e 9 de junho.
O que estará em disputa
Os cidadãos elegerão 720 membros do Parlamento Europeu e renovarão as autoridades do bloco.
Os próximos líderes
As eleições europeias definirão o novo Parlamento Europeu e o equilíbrio político resultante determinará a atribuição de cargos-chave. São as presidências das três principais instituições da União Europeia (UE): a Comissão Europeia (o braço Executivo), o Parlamento e o Conselho (que representa os países do bloco). Depois desses três cargos, o cargo mais importante é o de alto representante, como é formalmente chamado o chefe da diplomacia do bloco.
Distribuição de cargos
Depois destes três cargos, o mais importante é o de alto representante – o chefe da diplomacia do bloco. A distribuição de cargos será definida durante uma cimeira de líderes europeus marcada para 27 e 28 de junho.
Quem controla o quê
Atualmente, o Partido Popular Europeu (PPE) controla a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu. O grupo parlamentar Renovar a Europa lidera o Conselho Europeu.
Acordo Verde
É um dos mais ambiciosos da UE e um dos motivos de protesto entre os produtores agrícolas de todo o bloco. Os efeitos do Pacto Ecológico fazem-se sentir tanto na indústria como na agricultura, e também nos pactos comerciais e nas importações agrícolas. A investigação indica que a bancada dos Verdes no Parlamento pode perder até 40% dos seus votos. Se a extrema direita ganhar influência, a implementação de medidas para combater as alterações climáticas deverá ser consideravelmente mais difícil.
Ucrânia
A invasão da Ucrânia pela Rússia levou os países europeus a reforçar a indústria de defesa e a sua segurança, mas a disponibilidade de recursos não é tão fácil. A UE propôs uma nova estratégia, com um fundo de 1,5 mil milhões de euros (ou R$ 8,55 mil milhões a preços atuais) para ajudar os fabricantes do setor de defesa, mas as negociações sobre este plano ainda não terminaram. Sem poderes em matéria de política externa, os eurodeputados pouco podem fazer.
Temas nacionais
As eleições são divididas em 27 votações separadas e todas abordam questões nacionais. Em França, o poder do partido do Presidente Emmanuel Macron está em jogo. Na Alemanha, os partidos da coligação no poder (Verdes, Liberais, Socialistas) podem ser afectados pela desconfiança no governo. Na Eslováquia, o ataque ao primeiro-ministro Robert Fico abalou a campanha e poderá aumentar o apoio à sua coligação populista. Espanha observará o impacto dos acordos entre socialistas e independentistas que permitiram a formação de um novo governo.
EU PENSO…
“Não estão apenas em jogo as ambições climáticas da UE, mas também a agenda tradicionalmente integracionista do bloco. O alargamento da União, estreitamente interligado com a reforma institucional, será provavelmente abrandado ou mesmo interrompido sob a influência da extrema direita. A política de longo prazo, que deverá ser negociada pelo Parlamento Europeu em 2016, deverá diminuir, o que poderá criar um fosso sem precedentes entre as expectativas dos cidadãos sobre a forma como a UE aborda os principais desafios e os meios que terá à sua disposição para enfrentar eles.”
Alberto Alemannoprofessor de direito da União Europeia na Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris)
“Será importante que os partidos de direita radical ultrapassem o limiar de um terço dos assentos de deputados europeus, o que lhes permitiria obstruir o trabalho do Parlamento Europeu e reivindicar um papel mais importante na liderança da União Europeia. Também será importante se todos os partidos de direita ocuparão 50% dos assentos, o que lhes daria a possibilidade de votarem juntos em questões de pleno acordo, como a migração.”
Pawel Zerkaespecialista do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR)
Putin descarta ambições imperialistas
O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que Moscou não tem “ambições imperiais” e não planeja atacar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). As forças russas invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. “Não procurem o que não existe. (…) não procurem as nossas ambições imperiais. Elas não existem”, declarou Putin, durante uma reunião com mídia estrangeira. O presidente também classificou como “absurdas” as acusações de que Moscou pretende atacar países membros da Aliança Atlântica. As declarações do chefe do Kremlin foram feitas durante uma entrevista a agências de notícias internacionais em São Petersburgo.
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