O fogo é um tema recorrente na literatura universal. No Brasil, ele devorou O ateneu (1888), de Raul Pompéia, e pôs fim à‘O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, obras seminais da nossa literatura. Em ambos os casos, representaram o fim de uma era, com o apagamento do passado. Na vida real, foi o que aconteceu literalmente no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, no dia 2 de setembro de 2018, e na Cinemateca Nacional, em São Paulo, no dia 29 de julho de 2021. E pode estar acontecendo agora com nossos principais biomas .
Fundado em 1818, por Dom João VI, o Museu Nacional possuía o mais importante acervo de história natural da América Latina, com 20 milhões de itens, incluindo coleções de fósseis de dinossauros de todo o mundo, múmias andinas e egípcias, e 537 mil livros do Francisco Coleção Keller. No depósito da Cinemateca Nacional foram queimadas quatro toneladas de documentos sobre o cinema no Brasil, além de filmes e arquivos.
Desde o Brasil Colônia, o fogo é utilizado para expulsar indígenas de suas terras e, agora, para incendiar favelas, como era feito nos antigos quilombos. Mansões e sobrados históricos, tombados, pegam fogo para possibilitar a construção de prédios horríveis. Incêndios nas florestas, para eliminar a flora e a fauna e ampliar as fronteiras agrícolas, também são coisas antigas. No entanto, agora ficou completamente fora de controle.
Fogo não é sinônimo de fogo, cujo controle foi fundamental no processo civilizatório. O que difere das chamas do fogão ou da churrasqueira é o controle sobre elas. Desde Arquimedes que o fogo é objeto de estudo, porém, foi o francês Antoine Lawrence Lavoisier, o mesmo responsável pela Teoria dos Vasos Comunicantes, no século XVIII, quem descobriu as bases científicas do fogo.
O principal experimento que lançou as bases da ciência do fogo consistiu em colocar uma certa quantidade de mercúrio (Hg — único metal que normalmente já está líquido) dentro de um recipiente fechado, aquecendo-o. Quando a temperatura atingiu 300°C, ao observar o interior do frasco, Lavoisier encontrou um pó vermelho que pesava mais que o líquido original.
O cientista também notou que a quantidade de ar no recipiente diminuiu 20%, e que o ar restante tinha o poder de extinguir qualquer chama e matar. Lavoisier concluiu que o mercúrio, quando aquecido, “absorveu” a parte do ar que nos permite respirar (a mesma parte que faz queimar um combustível: o oxigênio). Os 80% restantes eram nitrogênio (um gás que não queima) e o pó vermelho era óxido de mercúrio.
Pela breve explicação, percebe-se que para iniciar a combustão são necessários combustível, oxigênio e energia (temperatura de ignição). Mas existe em todo lugar. O que faz a diferença é a proporção entre esses componentes do chamado “triângulo do fogo”.
Os incêndios que estamos monitorando são eventos naturais e/ou causados pela ação humana. No Cerrado brasileiro, com base em análises de carvão armazenado em solos profundos, os incêndios são recorrentes há mais de 30 mil anos. Nas estações secas, a ignição ocorre naturalmente por uma descarga elétrica. Mas esse não é o caso durante esta seca.
Por trás da perda
Temperaturas superiores a 30 graus, numa altura em que a humidade é inferior a 30% e ventos superiores a 30 km/h, são o ambiente ideal para um incêndio. Basta alcançar a ignição usando uma ponta de cigarro jogada na estrada ou um palito de fósforo aceso. Existem mais dois fatores: incendiários, que são atraídos pelo fogo, piromaníacos; e o criminoso que provoca incêndios por vingança ou por algum interesse econômico, seja limpando o terreno para construir um grande empreendimento imobiliário ou criando um pasto.
Uma vez iniciado, o fogo se espalha muito rapidamente e é extremamente difícil de controlar devido ao vento, ao calor e à baixa umidade. Os ocupantes do Cerrado desenvolveram técnicas de queima controlada, trabalhando para reduzir a biomassa e, assim, evitar grandes incêndios. Mesmo esses “aceiros”, quando descontrolados, podem causar grandes incêndios, com perda de plantas, animais e danos a microrganismos do solo, sem falar na morte de pessoas, inclusive de bombeiros.
No Pantanal e na Amazônia, o problema se tornou mais grave, porque o desmatamento faz com que a própria proteção natural da floresta, principalmente sua umidade, perca a capacidade de conter a propagação das chamas, principalmente se a seca for muito forte, pois é agora. . Se as árvores que contêm resinas pegarem fogo, elas podem queimar por muito tempo e impedir uma ação eficaz para parar o fogo.
À medida que as plantas queimam, saem primeiro os materiais voláteis, com substâncias nocivas à saúde, inclusive cancerígenas. Se não chover, todo esse material fica suspenso e forma “nuvens de fumaça”, que estamos vendo em vários lugares do Brasil. Nossos pulmões, animais e até plantas sofrem. Se a situação piorar muito, teremos uma situação verdadeiramente caótica.
Apesar dos avisos frequentes, as autoridades subestimaram os efeitos catastróficos daquilo que testemunhámos. E agora correm atrás dos prejuízos, inclusive do governo Lula, apesar dos alertas da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Como disse o poeta pernambucano Luís Turiba em 1989: “Ou viramos Raoni, ou viramos Sting”.
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