Seu sonho profissional era fazer cinema e teatro, mas um encontro inesperado com um colega no ônibus mudou para sempre o rumo da vida do jovem de 21 anos. No coletivo, em Belo Horizonte, ouviu com interesse as notícias trazidas pelo amigo: o jornal Estado de Minas está contratando revisores. Estudante de comunicação social da PUC Minas, antiga Universidade Católica de Minas Gerais, e leitor voraz, o jovem alto e de cabelos compridos sentiu que reunia as condições necessárias para a função e não hesitou. Fez a prova, passou, integrou a equipe de revisores e iniciou uma carreira na EM que durou mais de 40 anos, incluindo reportagens policiais e cobertura de Cidades, hoje Geral, editor de Política e cargo de editor geral.
Neste domingo (15/9), a trajetória do jornalista João Bosco Martins Salles chegou ao fim. Ele estava internado no hospital Felício Rocho, em Belo Horizonte, onde faleceu aos 69 anos.
Apaixonado pelo trabalho que o fisgou, João Bosco deixou cada vez mais de lado os ideais da juventude para mergulhar de cabeça no universo das notícias escritas nas barulhentas máquinas Remington e Olivetti. “Fiz comunicação social pensando em fazer cinema e teatro e segui outro caminho. O salário no jornal era muito bom e valia a pena”, disse no podcast “O Megafone”, produzido em 2018 para comemorar os 90 anos do jornal. Estado de Minas.
A vida no jornal começou em 1976, no antigo prédio da Rua Goiás, no Centro (hoje o EM funciona no Bairro Escritores, na Região Centro-Sul da capital). O jovem estudante trabalhava na clandestinidade, na equipa de revisão, que, como disse uma vez, contava com mais de 40 pessoas, em vários turnos. Quatro anos depois, ele “subiu”, que significa “ir para a redação”, e a partir daí foi uma sucessão de denúncias, denúncias e investigações, que culminou no Prêmio Regional Esso.
Em 1986, João Bosco viajou para a região do Pantanal para assistir à gravação de um programa sobre pesca para a TV Alterosa. Chegando lá, se deparou com denúncias envolvendo “trabalhadores do couro” ou caçadores de jacarés conhecidos pela extrema brutalidade no extermínio desses animais para venda do couro. “Eu disse à redação que tinha uma grande história e fiquei lá sete noites e oito dias.”
No ano anterior, ele havia feito outra reportagem de grande repercussão sobre o escândalo das falsas bolsas, envolvendo parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
Seja um repórter
Ainda em entrevista ao podcast “O Megafone”, João Bosco declarou seu amor pela profissão: “Ser repórter é contribuir com a sociedade, com a cidade, com o estado, com o país, com as pessoas que estão ao nosso lado. O jornalista ainda é um homem público, portanto não pode se deixar corromper, deve guiar-se pela verdade.”
Para João Bosco, a cobertura policial, na qual teve “mestres” como os repórteres Arnaldo Viana e Marquinhos Andrade (já falecido), foi uma escola valiosa. “Com os boletins de ocorrência aprendemos a contar uma história com começo, meio e fim. O jornalismo faz-se na rua, não adianta ficar pendurado ao telefone”, observou.
Na transição das antigas máquinas de escrever para os computadores, João Bosco disse que o Estado de Minas foi pioneiro no país. A escrita foi estranha no início, mas depois continuou seu curso, pois era a entrada na modernidade. “Quando comecei a trabalhar os telefones não funcionavam, era muito diferente”, lembrou o jornalista, que também viu muitas maravilhas ao longo da carreira. Ele disse que não esqueceria “o nascer do sol no Pantanal” e os olhos de milhares de jacarés nos rios. A chegada das chuvas na região também foi outro grande espetáculo.
João Bosco Martins Salles nasceu em Belo Horizonte em 30 de março de 1955. Em 2011, foi agraciado com a Medalha Presidente Juscelino Kubitschek pelo governo de Minas Gerais, concedida anualmente a personalidades que se destacam no cenário mineiro.
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