Por Vanessa Negrini* — À medida que a sociedade evolui, surgem novas perspetivas sobre os direitos, reconhecendo-os onde antes não eram vistos. Os movimentos pelos direitos dos animais estão a avançar em todo o mundo, impulsionados pelo apoio científico desde a Declaração de Cambridge de 2012, que reconheceu a senciência animal. O reconhecimento científico provoca reflexões na sociedade, refletidas nos sistemas jurídicos e nas decisões judiciais.
A inclusão de um capítulo dedicado aos direitos dos animais no projeto de reforma do Código Civil representa um marco importante na evolução do sistema jurídico do país. Reflete a crescente consciência sobre o bem-estar dos animais e sinaliza uma mudança profunda na percepção e no tratamento que recebem da sociedade e do sistema jurídico.
Jurisprudência brasileira
Os tribunais brasileiros tendem a reconhecer a singularidade dos animais como seres sencientes, buscando proteger seus direitos e bem-estar.
Por exemplo, no Recurso Especial nº. A Lei nº 1.713.167, do ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), abriu espaço para uma nova categoria jurídica para os animais, decisão que enfatiza a importância da proteção adequada e alinhada aos valores sociais. Recurso Especial nº. 1.115.916/MG discutiu a crueldade, reconhecendo a capacidade de sentir dor.
Nos tribunais estaduais como TJSP, TJMG e TJPR, os animais são reconhecidos como “sujeitos de direitos despersonalizados” e “seres sencientes”, com direito à proteção judicial em caso de violação de direitos.
Direitos dos animais no mundo
Em todo o mundo, há mudanças significativas nos sistemas jurídicos. Na Áustria, Alemanha e Suíça, os animais foram explicitamente reconhecidos como seres protegidos por leis especiais, deixando de ser tratados como objectos. Os Países Baixos, França, Espanha e Portugal reformaram os seus códigos civis para considerá-los seres sencientes e sensíveis, sujeitos a protecção legal. Na Nova Zelândia e na Noruega, entre outros exemplos, foram promulgadas leis para garantir o bem-estar e proteger as pessoas do stress.
Direitos dos animais nos estados e municípios brasileiros
As leis estaduais também reconhecem os animais como sencientes e sujeitos a direitos, promovendo proteção e bem-estar. Estados como Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Roraima, Espírito Santo e Paraíba consideram explicitamente os animais como sujeitos de direitos. Leis de estados como Sergipe, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí, por exemplo, reconhecem a senciência e os princípios de proteção. As regulamentações municipais também abordam o bem-estar animal, complementando a legislação estadual.
Avanços no rascunho
A proposta inicial da comissão de juristas classificava os animais como “objetos de direito” e “dotados de sensibilidade”. Após questionamentos e sugestões do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, essas definições foram revisadas para evitar possíveis retrocessos na proteção ambiental.
As sugestões para excluir a expressão “objeto de direito” e substituir “sensibilidade” por “senciência” foram acatadas pela comissão.
Na reforma do Código Civil foram propostas algumas alterações significativas para garantir uma proteção mais eficaz aos animais:
1. Reconhecimento do afeto humano para com os animais, destacando expressões de cuidado e proteção no ambiente sociofamiliar (Art. 19).
2. Definição dos animais como seres vivos sencientes, sujeitos à proteção jurídica própria, considerando a sua natureza especial (art. 91-A).
3. Apuração da responsabilidade civil direta do proprietário, tutor ou detentor do animal pelos danos por ele causados, independentemente de culpa, salvo fato comprovado exclusivo da vítima, terceiro, caso fortuito ou força maior (art. 936).
4. Inclusão do direito dos ex-cônjuges e ex-coabitantes de compartilharem a empresa e arcarem com as despesas de manutenção dos animais de estimação, enquanto lhes pertencerem (art. 1.566, § 3º).
O anteprojeto de reforma segue agora para o Congresso Nacional, onde será submetido a novos debates. É crucial que esta alteração legislativa seja acompanhada de esforços persistentes para sensibilizar a sociedade e garantir a aplicação efetiva de novas normas, com o objetivo de construir uma sociedade mais justa e compassiva, na qual os direitos dos animais sejam plenamente reconhecidos e respeitados.
Vanessa Negrini é diretora do Departamento de Proteção, Defesa e Direitos dos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas*
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