Quando o então advogado Cristiano Zanin assumiu a defesa do presidente Lula, muitos questionaram: por que um especialista em direito comercial, empresarial e contencioso ingressaria em um processo criminal envolvendo suspeita de corrupção? Mas hoje está claro que a escolha foi acertada. Zanin é referência em grandes casos, os conflitos jurídicos e as denúncias da Operação Lava-Jato estavam relacionadas a temas muito além do dia a dia dos escritórios de advocacia criminal. Houve auditorias, suspeitas de fraude em licitações, denúncias de lavagem de dinheiro, crimes financeiros.
Zanin também se concentrou na questão processual. Desde o início, ele questionou a isenção do então juiz da Lava-Jato, Sérgio Moro, das provas e a competência do Tribunal de Justiça de Curitiba para analisar as denúncias contra Lula. Foram justamente esses argumentos que acabaram levando, anos depois, à anulação das condenações do petista pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Zanin obteve indícios de suspeição dos procuradores da Lava-Jato justamente quando teve acesso ao material apreendido pelo Ministério Público na Operação Spoofing, deflagrada para investigar a atuação de hackers em celulares de autoridades públicas, como o então procurador Deltan Dallagnol. Ele usou as evidências coletadas pelos investigadores para desacreditá-los.
Inicialmente, a estratégia de defesa de Zanin foi questionada por vários assessores de Lula, que no auge da popularidade da Operação Lava-Jato acreditavam que atacar Moro e a força-tarefa de Curitiba seria um erro. Quando o presidente, agora no terceiro mandato, foi libertado da prisão, após 580 dias em Curitiba, muita gente compareceu para aplaudir e compartilhar elogios.
Durante todo o período em que Lula esteve preso, Cristiano Zanin viajou semanalmente para visitá-lo. Ele foi um dos poucos que teve contato rotineiro com o petista. Geralmente o encontrei de bom humor, exceto nos momentos de sofrimento familiar, quando perdeu a esposa, Marisa Letícia, o irmão Genival Inácio da Silva, ou o neto Arthur.
Quando ingressou na defesa de Lula, Zanin já era advogado em casos importantes, como o processo de recuperação judicial da Varig e a falência da Transbrasil. Mantinha gabinete com a esposa, Valeska Martins, filha do ex-sócio e amigo do presidente Lula, Roberto Teixeira. O atual ministro do Supremo Tribunal Federal começou a exercer a advocacia em 2000, aos 24 anos, como advogado do escritório Arruda Alvim.
Devido à polarização política no país, Zanin sofreu agressões em restaurantes e até recentemente, em janeiro de 2023, foi agredido verbalmente no banheiro do Aeroporto Internacional de Brasília. O então advogado não revidou e retirou-se com calma. Mas ele não deixou o ataque para trás. Por conta de uma denúncia criminal, o infrator teve que se retratar nas redes sociais e ainda não escapou de uma possível condenação por injúria.
Apesar de ter atuado em diversos processos, o caso de Lula certamente marca a trajetória do juiz como advogado. Hoje ele é especialista em lawfare — o chamado ativismo judicial, o uso da lei para combater politicamente os adversários. Zanin é autor de um livro sobre o assunto, ao lado de Valeska Martins e Rafael Valim. Ele também fundou o Lawfare Institute em 2017.
Em entrevista à Consultora Jurídica, Zanin descreveu situação semelhante à vivida por Lula quando o então proprietário e presidente da petroleira Veco, Bill Allen, afirmou ter financiado a reforma de um chalé pertencente ao senador republicano Ted Stevens. Não poderia ser mais parecida com a denúncia contra o petista, envolvendo a fazenda de Atibaia e o triplex do Guarujá. Nos Estados Unidos, os promotores do caso foram acusados de não permitirem que o político se defendesse e de fraude em documentos que o incriminavam. O processo foi anulado, mas a repercussão impediu a eleição do republicano, como aconteceu com Lula em 2018.
Com essa expertise, Zanin representou na Justiça o ex-governador e ex-senador de Goiás Marconi Perillo, hoje presidente nacional do PSDB, alvo da Operação Entrega de Dinheiro poucos dias antes da eleição de 2018, quando liderava as pesquisas no Senado e acabou derrotado. O processo também foi anulado.
Há menos de um ano na magistratura, Zanin, o mais novo ministro do STF, aos poucos vai deixando sua marca. Ele desagradou petistas ao votar contra a descriminalização do porte de drogas e por ser contra equiparar ofensas à comunidade LGBTQIAP+ a insultos raciais. O ministro, porém, católico e conservador, não escondeu seu perfil durante a sabatina no Senado.
Uma de suas decisões de grande repercussão foi relacionada à seleção de efetivos para a Polícia Militar do DF, quando aprovou um acordo que exclui a limitação da participação feminina no concurso público da corporação. A mesma decisão foi tomada em relação à Polícia Militar de Mato Grosso. No combate à corrupção, ele é o autor da decisão que permitiu o acesso a relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) solicitados diretamente pela polícia, sem prévia autorização judicial.
Atendendo a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), o ministro também abriu a possibilidade de uma solução negociada entre o Congresso e o Executivo em relação à isenção de folha de pagamento para 17 atividades econômicas. Zanin suspendeu por 60 dias a decisão anterior que bloqueava a lei aprovada pelo Congresso.
Aos 48 anos, Zanin tem muito tempo pela frente no banco. Mesmo com a família —esposa e três filhos, de 10 a 13 anos— morando em São Paulo, o ministro trabalha de segunda a sexta no gabinete do STF. Gosta da metrópole, onde passou a vida acadêmica e grande parte do trabalho profissional, mas já se acostumou com a rotina de Brasília.
Nasceu em Piracicaba (SP), em família de classe média, e mudou-se para São Paulo, aos 18 anos, para estudar Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em seguida, especializou-se em direito processual civil na mesma universidade e lecionou direito civil e direito processual na Faculdade Autônoma de Direito (FADISP).
Em julgamentos no STF, ele tem sido considerado incapaz de agir quando casos da Lava-Jato estão em pauta ou relacionados à inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, como defendeu na campanha de Lula em 2022, com papel de destaque.
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