Com a autoridade de quem é doutor em direito processual penal pela Universidade de São Paulo (2017-2020) e atual presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, o advogado Renato Stanziola Vieira considera o fim das libertações temporárias de presos como manter contato com seus familiares “um retrocesso no sistema penitenciário brasileiro”.
Para o criminalista, a medida é inconstitucional e deve ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como já começou a ocorrer com o entendimento do ministro André Mendonça sobre a impossibilidade de suspensão de passeios diários para quem já cumpre pena, sob o argumento de que o O direito penal não pode retroagir ao dano.
Mendonça analisou o pedido de um homem que está preso em Minas Gerais, por roubo com uso de arma, e teve autorização de saída temporária e trabalho externo cassada pelo Tribunal de Execuções. Ele recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas os pedidos foram negados.
O presidente do IBCCRIM acredita que, sobretudo, a derrubada do veto do presidente Lula ao projeto que extinguiu as noitadas é inócua como medida de combate ao crime, como defendem os parlamentares que votaram no Congresso pelo fim do benefício.
O Congresso derrubou os vetos do presidente Lula ao projeto que acaba com a soltura temporária de presos, a “saidinha”, em feriados e datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal. Qual a sua opinião sobre esse benefício?
A decisão dos parlamentares significou um gravíssimo retrocesso no sistema penitenciário brasileiro. A decisão tomada consagra uma postura inconstitucional, que aniquila a garantia constitucional de progressividade na execução de penas no Brasil e, sobretudo, a garantia constitucional de individualização da pena.
Qual o impacto do fim do benefício nas prisões brasileiras? Podem ocorrer crises no sistema penitenciário?
Claro, pode haver novas crises. As pedras sabem que vivemos num contexto de superlotação carcerária, tanto que a expressão “Estado de Coisas Inconstitucional”, proclamada pelo STF na ADPF 347, tornou-se conhecida sobretudo pela situação insustentável do sistema penitenciário do país. Com a óbvia aniquilação da progressão das penas após a votação do Congresso em sessão unicameral, com a burocratização da exigência de exame criminológico para qualquer progressão de regime, os condenados certamente se revoltarão contra o Estado que os mantém presos. Isso porque, na prática, está sendo destruída a própria distinção entre regimes fechados e semiabertos na execução de penas no país.
Alguns presos não regressam à prisão e, o que é pior, voltam a cometer crimes. Existem falhas na seleção dos beneficiários de licença temporária?
Existem dois vetores aqui a serem considerados. Um deles é a percentagem muito baixa de presos condenados que não regressam após a sua libertação temporária. Por mais utilitário que seja o raciocínio, num sistema onde o que se exige é uma melhor fiscalização, a grande maioria dos presos em regime semiaberto não deveria ter que pagar pelos erros de uma baixa percentagem, que não cumprem os condições impostas para o gozo. do benefício, que existe há 40 anos e é propício à reintegração da convivência plena na sociedade. Outra coisa é ficar de olhos abertos para o fato de que presos que, por acaso, saem para cometer crimes, já podem ser “soldados” de facções criminosas, situação que ocorre quando estão dentro dos presídios, e a própria situação de os laços com as facções os enfraquecem a ponto de a facção os forçar a cometer infrações. Há riscos de que, à medida que o recrutamento de novas pessoas para o crime faccional ocorre dentro das prisões, os presos semiabertos que saem não retornem porque prestam serviços contratados dentro da prisão. E, portanto, aqui está uma nova confirmação do erro na decisão do Congresso: a medida facilita ainda mais a contratação de serviços de presos pelas facções. Seria uma distopia, algo inimaginável, mas é a realidade.
Você acredita que há muitos benefícios na progressão da pena e que os criminosos acabam passando menos tempo na prisão do que deveriam?
Não. Eu não acredito.
Você acredita que as saídas temporárias acabarão virando tema de repercussão geral para o STF?
Eu penso que sim. Espero que o STF seja provocado e julgue inconstitucional esse gravíssimo retrocesso civilizacional.
O ministro André Mendonça concedeu habeas corpus a um preso cujos benefícios foram suspensos por decisão do Congresso. Para o ministro, quem já tinha o benefício não pode ser afetado. Qual é a opinião dele?
A nova lei dificulta o retorno à liberdade. E, portanto, não pode ser retroativo para atingir situações consolidadas conforme a lei antiga. A Constituição Federal é expressa ao dizer que a lei penal não retroage, a não ser que seja em benefício do réu.
Na sua opinião, essa decisão do ministro André Mendonça será uma decisão majoritária no STF?
Acredito que os demais ministros seguirão esse entendimento caso sejam provocados em situações concretas.
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