“Eu vi o avião parecendo papel. Ficou claro que o piloto havia perdido o controle e que algo ruim poderia acontecer. E no final, ele realmente parecia papel e caiu. Ficava bem perto do bairro onde moro. Assim que ele caiu, toda a fumaça subiu e houve silêncio.”
Foi assim que a estudante de administração Letícia Oliveira do Nascimento, 25 anos, disse ter visto o acidente de avião que deixou 61 mortos na cidade de Vinhedo, interior de São Paulo, na sexta-feira (8/9). A aeronave da Voepass Linhas Aéreas caiu em uma área residencial da cidade localizada a cerca de 80 km de São Paulo.
O voo 2283 saiu de Cascavel (PR) às 11h46 com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP) e transportava 57 passageiros e quatro tripulantes. O acidente ocorreu por volta das 13h20 e não deixou sobreviventes.
A reportagem da BBC News Brasil foi ao local para acompanhar a evolução do caso e ouvir os relatos dos moradores que presenciaram a queda. Horas depois do acidente, centenas de pessoas, entre policiais, equipes de resgate e moradores da região, se reuniram na entrada do condomínio Recanto Florido, onde o avião caiu.
Letícia conta que estava dentro de casa quando o avião, operado pela empresa Voepass (antigo Passaredo), fez barulho ao passar pela região. Inicialmente, ela pensou que fosse uma pequena aeronave manobrando, mas o barulho começou a ficar cada vez mais alto.
“Eu estava me preparando para sair quando ouvi um barulho muito estranho. Cheguei até a pensar que era um avião cheio de fumaça, até que meu vizinho do outro lado da rua gritou: ‘o avião vai cair’”, conta.
Ela conta que, antes de cair no solo, o avião sobrevoou a região por três ou quatro minutos.
“Faz muito tempo porque eu estava pedindo um Uber na hora. Faltavam quatro minutos e esse foi o tempo que ela (motorista) demorou para chegar. O barulho já estava lá, mas o avião estava entre as nuvens. Estava bastante nublado. Quando ele sai das nuvens ele cai”, lembra Letícia.
A estudante disse que entrou em estado de choque assim que ocorreu o acidente. Ela estava tão nervosa que não conseguiu usar o celular para registrar o que estava acontecendo.
“No momento, eu estava tremendo. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Acho que é o caso mais chocante que já aconteceu na minha vida”, afirma Letícia.
“Eu vi passando pela minha casa”
O comerciante Edival Monteiro de Souza, 67 anos, voltava para casa após fazer compras no supermercado quando avistou o avião com 61 pessoas a bordo.
“Eu vi (avião) passando em cima da minha casa. Ele fez uma primeira pirueta e, na segunda, desceu direto e caiu no alto do morro e não conseguimos ver mais nada. Só vi a fumaça subindo muito rápido”, lembra.
O comerciante conta que, logo após a queda, o clima na cidade mudou drasticamente. Enquanto algumas pessoas gritavam em desespero, outras correram para o local do acidente enquanto a polícia tentava isolar os destroços em chamas da aeronave.
Na percepção de Edivaldo, o piloto fez uma manobra para evitar fábricas e áreas com maior densidade de residências para evitar um desastre ainda maior. Segundo a prefeitura de Vinhedo, ninguém no local ficou ferido em decorrência do acidente.
“Se ele cair em uma fábrica, lá ficam mais de cem funcionários. O cara era inteligente. Possui uma fábrica de colchões, uma fábrica de ferramentas, uma fábrica de cerveja e uma fábrica de alumínio. Acho que ele se desviou”, diz ele.
A tragédia em Vinhedo se tornou o acidente aéreo mais mortal em solo brasileiro desde 2007, quando um avião da TAM matou 199 pessoas ao bater em um prédio ao tentar pousar no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
Vídeos que circulam nas redes sociais mostram a aeronave caindo enquanto girava no ar. Em seguida, as imagens mostram uma explosão e fumaça preta saindo do local.
As investigações sobre a causa do acidente ainda estão em fase inicial e, segundo o brigadeiro Marcelo Moreno, chefe do Centro de Pesquisa e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), “tudo ainda é prematuro”.
Ele classificou o acidente como “complexo” e “catastrófico”.
As caixas pretas são dois gravadores, um de voz e outro de dados, e são essenciais para orientar as investigações sobre as causas do acidente.
Segundo o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, a caixa preta foi encontrada e está preservada. A informação foi confirmada pelo brigadeiro Moreno, que afirmou que o Cenipa já possui as duas caixas pretas do avião.
Foi montado um escritório de crise no aeroporto de Guarulhos e outro, em Vinhedo, para apoiar as equipes mobilizadas.
Além das equipes estaduais, o gabinete de crise inclui ainda o Ministério dos Portos e Aeroportos, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Governo do Estado do Paraná e profissionais da assistência social.
“Vi corpos no chão, pessoas em chamas”
O mecânico João Vitor da Silva, 21 anos, conta que estava almoçando quando ouviu barulhos muito altos. Naquele momento, ele pensou que o barulho era causado por um show do esquadrão de fumaça.
“Saí pela janela e vi o avião caindo. Peguei minha bicicleta e segui a fumaça, na direção onde ela havia caído. Quando cheguei lá, o dono da casa (em frente ao local do acidente) já estava desesperado. Aí eu vi gente no chão, os corpos. Foi muito triste. Isso impactou”, diz ela.
A Voepass divulgou o lista com os nomes de todos os passageiros que estavam a bordo do voo 2283. Eduardo Busch, presidente da Voepass, afirmou que a maioria dos passageiros era de Cascavel e São Paulo.
Estava a bordo um grupo de médicos que se dirigia a São Paulo para participar de um evento. Pelo menos duas das vítimas eram médicas do hospital Uopeccan, em Cascavel, Arianne Albuquerque Estevan Risso e Mariana Comiran Belim, ambas residentes de oncologia clínica.
Entre os médicos que perderam a vida estavam também o professor José Roberto Leonel Ferreira, radiologista recém-aposentado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), e a pediatra Sarah Sella Langer, que trabalhava no hospital universitário.
João conta que, desde o momento em que começou a ouvir os barulhos até o momento em que caiu, durou entre um e dois minutos.
“Tanto que, no momento em que vi ele caindo, peguei meu celular para gravar. Mas quando apertei para filmar ele já tinha caído”, lembra João.
O mecânico disse que mora a menos de 1 km do acidente e foi rápido ao local na tentativa de ajudar no resgate, se necessário. No caminho, ele relata que viu olhares desesperados de pessoas na rua.
Ao se aproximar do local, sentiu um forte cheiro de fumaça e não se aproximou muito do avião devido ao calor das chamas e ao risco de explosão. Mas ela conta que, ao ver a aeronave, percebeu que todas as pessoas já estavam mortas.
“Cheguei antes da polícia. Havia apenas cerca de dez pessoas e alguns motoboys. Quando cheguei lá, vi os corpos no chão. É difícil esquecer. Nunca mais esquecerei isso. Ainda mais porque faz parte da história de Vinhedo.”
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