Pesquisadores das universidades de Araraquara (Uniara) e Franca (Unifran) criaram uma nanobandagem capaz de combater infecções e melhorar a cicatrização de feridas. O tratamento também pode beneficiar pacientes queimados e que apresentam dificuldades no processo de cicatrização, bem como aqueles acamados com úlceras de pressão (escaras). A criação partiu de um curativo de celulose já disponível no mercado numa parceria entre cientistas e uma startup.
Nos estudos foram combinados dois métodos, com eficácia comprovada na cicatrização e melhoria das condições fisiológicas de feridas: nanopartículas de prata e celulose bacteriana. Os fragmentos de prata têm ação antimicrobiana, enquanto as membranas de celulose bacteriana — material biocompatível composto por nanofibras sintetizadas por bactérias gram-negativas, dispensam a remoção do tecido lesionado e reduzem a dor.
Saulo Duarte Ozelin, pesquisador em genética toxicológica e avaliação da atividade biológica de produtos naturais e biopolímeros e autor do estudo publicado no Journal of Pharmaceutical Science, afirma que a prata é muito eficiente como agente antimicrobiano. “Tem a capacidade de causar danos permanentes às membranas e proteínas bacterianas, promovendo a morte ou inibindo o crescimento desses microrganismos através do simples contato”, destaca.
“O curativo desenvolvido lembra uma película muito fina com capacidade de reter muita água”, explica Ozelin, informando que a celulose absorve o excesso de umidade da ferida na quantidade certa e, ao mesmo tempo, forma uma barreira protetora, evitando da lesão fica exposto a agressão física ou contaminação. As nanopartículas de prata controlam o desenvolvimento de microrganismos na ferida, prevenindo complicações decorrentes da presença de bactérias, além de regularem o comportamento das células durante a cicatrização, proporcionando um processo mais rápido e eficiente.
Segundo o cientista, a colonização microbiana excessiva em uma ferida pode causar infecção grave, que além de oferecer riscos à saúde do paciente, retarda o processo de cicatrização. Daí a necessidade do controle microbiano na ferida e suas extremidades com o uso de nanopartículas de prata pode contribuir positivamente no tratamento.
Resultados positivos
Entre as vantagens identificadas na fase de testes em animais estão a ausência de toxicidade dos materiais e nenhum dano à saúde. Também não houve evidência de grande absorção ou liberação de prata no organismo, sugerindo que a atividade ocorreu no nível esperado, sem excessos.
Os testes clínicos, que representam o próximo passo da pesquisa, serão fundamentais para a compreensão da eficácia e segurança relacionadas ao uso do curativo por humanos. Após 14 dias da lesão, animais tratados com nanobandagem apresentaram aumento significativo na contração da ferida
Após três semanas de testes, os animais foram examinados para verificar a extensão da ferida, proliferação celular, crescimento microbiano local, parâmetros histopatológicos e conteúdo de colágeno. Também foram observados indicadores de toxicidade da prata, como consumo de água e análises bioquímicas de parâmetros de função renal e hepática.
Para Paola Canabrava, dermatologista do Hospital Santa Lúcia Norte de Brasília e membro titular da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o uso de nanopartículas é inovador. “As nanopartículas de prata ajudam a combater infecções existentes e reduzem a formação de biofilme, conjunto de bactérias colonizadas na ferida e que dificultam a regeneração da pele”, observa.
O especialista considera importante a ação do curativo porque “permite a proliferação de tecido residual para fechamento da ferida, além de combater infecções por meio de nanopartículas de prata”. O adesivo apresenta-se como uma possibilidade promissora no tratamento de feridas e ulcerações crônicas, como ocorre no pé diabético. Só em 2022, cerca de 13 milhões de pessoas sofreram com úlceras nos membros inferiores em decorrência da doença, segundo a Sociedade Brasileira de Diabetes.
Os ensaios clínicos são o próximo passo na pesquisa. É nessa etapa que os cientistas avaliam a eficácia e a segurança do uso do curativo em humanos. Apesar das atividades promissoras observadas até o momento, “(o esforço é) buscar sempre melhorar o produto, principalmente para melhorar a eficácia e reduzir a toxicidade, que são fatores extremamente importantes para um produto acessível à população”, destaca Ozelin. A versão básica do curativo com nanopartículas é patenteada. A produção e comercialização dependerão de resultados obtidos em estudos clínicos e aprovação de agências reguladoras.
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
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