Morador de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o pecuarista Tiago Klug, 44 anos, decidiu fazer um teste no último domingo (9/8).
Ele colocou um recipiente branco e limpo no centro de seu quintal depois de ouvir avisos sobre um fenómeno conhecida como chuva negra.
“Escolhi um local longe de paredes ou telhados, para que a água depositada no recipiente caísse diretamente das nuvens, sem entrar em contato com telhados ou paredes”, explica Klug.
Ao verificar o recipiente no dia seguinte, percebeu que tinha uma cor escura. incomum na água da chuva coletada.
“Nunca tinha visto nada parecido. Achei a coisa mais triste”, diz o produtor rural à BBC News Brasil.
Além de Pelotas, a chamada chuva negra foi observada em municípios próximos como Arroio Grande, São Lourenço do Sul, São José do Norte e na região de fronteira com o Uruguai.
Fotos da água escura coletada pelos moradores foram compartilhadas nas redes sociais.
Houve também concentração de sujeira em casas, carros e infraestruturas.
À medida que a chuva se espalha para o restante do estado, há expectativa de que o fenômeno se repita em outras regiões do estado.
A massa de ar frio vinda da Argentina e do Uruguai, ao se deparar com a fumaça das queimadas que cobre todo o Rio Grande do Sul, pode provocar mais chuva negra.
Nesta quinta-feira (9/12) o Estado tem uma das maiores concentrações de fumaça da América do Sul, segundo o site MetSul Meteorologia.
Meteorologistas afirmam ainda que chuva negra pode ocorrer em cidades de Santa Catarina e do Paraná.
O que é chuva negra?
O meteorologista Estael Sias, da MetSul, explica que a chuva negra é resultado da mistura da água com a fuligem transportada pela fumaça.
“A fuligem é composta por nanopartículas de carbono negro produzidas pela queima incompleta de combustíveis fósseis, materiais orgânicos e outros”, diz Sias.
“Quando a queima é incompleta, as nanopartículas são transportadas para a atmosfera pela fumaça.”
A direção do vento, a 1.500 metros de altura, determina para onde a fumaça é levada, explica o meteorologista.
“Quando há vento de norte a sul, a fumaça é levada para Argentina, Uruguai e sul do Brasil, como aconteceu ontem (09/11).”
Misturadas com a umidade das nuvens, as nanopartículas de carbono negro podem atuar como núcleos de condensação, em torno dos quais se formam gotas de chuva.
“Hoje (9/12), com o avanço das chuvas, a atmosfera inicia um processo de limpeza dessa fumaça, o carbono negro. É o resultado da chuva limpando a atmosfera”, resume Sias.
A chuva negra representa um risco para a saúde?
O meteorologista explica que o fenômeno é chuva contaminada, mas não necessariamente tóxica.
“Por transportar carbono negro, tem, no máximo, o efeito de sujar as superfícies do solo”, diz Sias.
Segundo Gilberto Collares, professor de Engenharia Hídrica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), qualquer dano causado à saúde pelo fenômeno depende de uma medição adequada.
“A chuva negra pode causar alguns danos, mas acredita-se que a fumaça tenha sido produzida pela queima de matéria orgânica, ou seja, matas e pastagens”, afirma Collares.
“Se, além desses componentes, houvesse resíduos industriais potencialmente tóxicos, ocorreria o que se chama de chuva ácida, que é potencialmente muito mais perigosa.”
A investigadora considera que, embora toda a água da chuva que não é límpida e cristalina exija cautela, na maioria dos casos, pode ser consumida após ser submetida a um processo de filtração adequado.
“Não podemos imaginar que a água para consumo humano nas regiões urbanas, onde existem redes de tratamento, possa ser afetada pelo que está acontecendo”, observa.
Um dos comportamentos a evitar é o pânico por causa da chuva negra, dizem os especialistas.
“Não podemos ser tão rigorosos, porque a população precisa de água. Temos que reduzir o risco de pânico, de forma responsável”, afirma Collares.
“Vivemos muito isso durante a enchente [de maio deste ano]. As pessoas vão passar por essa situação e temos que tratá-las com cuidado e gentileza.”
Mudanças climáticas
Apesar do aparente baixo potencial de danos, Collares afirma que o episódio indica o quão vulnerável a população está às mudanças climáticas.
“Em Porto Alegre, as autoridades recomendaram que as escolas não realizassem atividades ao ar livre com os alunos pelo menos até domingo. São coisas com as quais teremos que conviver”, afirma.
O Rio Grande do Sul começou a ser afetado pela fumaça produzida pela onda de incêndios no centro do Brasil em meados de agosto.
A fuligem, transportada pelos ventos chamados “jatos de baixo nível” ou, popularmente, corredores de vento, também atingiu a Argentina e o Uruguai.
Durante vários dias, o nevoeiro impediu que o sol brilhasse com toda a intensidade, originando o chamado “sol vermelho”.
Em Porto Alegre e outros municípios do Rio Grande do Sul, a fumaça combinada com uma massa de ar frio e umidade produziu um calor incomum no final do inverno, com temperaturas chegando a 36ºC.
Em Porto Alegre, o uso de máscaras faciais, raro desde o fim da pandemia do novo coronavírus, voltou a ser observado nas ruas devido à fumaça nos últimos dias.
Além da recomendação para as escolas, a prefeitura recomendou que os sintomáticos respiratórios procurem atendimento médico e que toda a população se mantenha hidratada, evite espaços abertos e mantenha portas e janelas fechadas.
A piora da qualidade do ar no Rio Grande do Sul levou a empresa suíça IQAir a classificar a capital gaúcha como a segunda metrópole mais poluída do mundo nesta terça-feira (9/10), atrás apenas de São Paulo. A classificação é baseada em imagens de satélite.
Para Klug, além de constituir uma imagem triste, a chuva negra causa desconforto profissional.
Ligado ao agronegócio, o consultor mostra-se preocupado com a frequente associação entre a atividade e os incêndios que assolam o centro do país.
“Meu trabalho é preservação e cuidado com o meio ambiente. Há agricultores que queimam florestas, mas também há pessoas que provocam incêndios apenas por motivos criminosos.”
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